o desconcertante mundo de Márcio Pannunzio
Todo artista tem a obrigação de criar um mundo, com suas próprias regras, sua própria história, suas feições características. Assistir a um filme de Buñuel é entrar dentro de um mundo coerente e organizado, completamente criado pelo artista. O mundo de Michelangelo é completamente diverso do mundo de Piero de la Francesca. O mundo de Kafka nada tem a ver com o mundo imaginado por Hemingway. Todos eles são cosmos completos, que fazem o artista repetir, na criação da obra, aquele gesto inaugural que nossas religiões atribuem a Deus. O mundo de Márcio Pannunzio é habitado por seres humanos dantescos. É claustrofóbico e confuso. Nele, não há lugar para simpatia e sentimentos brandos. Os sorrisos são dados com os dentes, não com os lábios. Os braços têm a aparência de tentáculos. Os corpos estão crispados, retorcidos. Parecem padecer de um ódio e de uma dor absolutamente incurável, constitutiva. O próprio tamanho das gravuras contribui para dar às cenas um clima opressivo. As imagens se confundem num turbilhão de traços, obrigando o observador a ir identificando aos poucos os elementos da gravura. Definitivamente não se trata de um colírio para os olhos. Pelo contrário. É como se os olhos de quem vê fossem obrigados a se retorcerem tanto quando as próprias figuras que estão sendo vistas. No final das contas, as gravuras de Márcio Pannunzio são mesmo um convite para uma identificação perturbadora: por trás da fina pele de nossa sociabilidade, não estaria escondido um universo tão assustador quanto esse que está aí, diante de nós?
João Vergílio Gallerani Cuter |