pérolas negras
A arte xilográfica de Marcio Pannunzio provém da tradição da gravura de topo anônima medieval, relembra os expressionistas, o esforço dos cordelistas nordestinos e incorpora heranças de gravadores europeus que, entre nós, se materializaram, por exemplo, em Oswaldo Goeldi e Marcelo Grassman. Mas, na obra de Pannunzio, reconhecido no circuito mundial de gravuras, há a adição de uma inquietude marcante das contraculturas e dos mestres do grotesco, desde Brueguel e Bosch até contemporâneos de comunicação imediata, como Angeli (dos Skrotinhos e da Rebordosa, principalmente), de Robert Crumb e Lourenço Mutarelli. Fiel à gravura de topo, onde o desenho é escavado a buril e goiva na madeira guatambu (equivalente nativa do buxo europeu), Pannunzio explora flagrantes da bestialidade e da fragilidade humanas para imprimi-los (preferencialmente, em papel arroz) com tramas minuciosas e labirínticas, tirando das matrizes séries com títulos sugestivos, como A Ânsia de Amar a Ânsia, Tristes Trópicos ou o Triunfo da Morte, temas que, em geral, permitem que ele destile seu humor ácido em “bizarros instantâneos”. Os jogos de poder, o assédio, a promiscuidade e a banalização sexual são motes recorrentes no fabulário de Pannunzio. Em seus labirintos, que refletem a banda podre dos meandros sociais, parece não haver lugar para vacilo, piedade ou para atos gentis, muito menos doçuras ao pé do ouvido. Suas imagens corrosivas desnudam o homem contemporâneo de forma crua e impiedosa.
As gravuras de Pannunzio são confeccionadas geralmente em pequenas dimensões, processadas a partir do entalhe no taco de topo e, com translúcidos papéis especiais, consistem em delicadas jóias, espécie de pérolas negras.
Paulo Klein |